Quase dois anos depois de entrar em vigor, a Lei da Ficha Limpa foi
declarada constitucional nesta quinta-feira (16) pela maioria dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por sete votos a quatro, o
plenário determinou que o texto integral da norma deve valer a partir
das eleições de outubro.
Com a decisão do STF, ficam proibidos de se eleger por oito anos os
políticos condenados pela Justiça em decisões colegiadas, cassados pela
Justiça Eleitoral ou que renunciaram a cargo eletivo para evitar
processo de cassação, com base na Lei da Ficha Limpa.
O Supremo definiu ainda que a ficha limpa se aplica a fatos que
ocorreram antes de a lei entrar em vigor e não viola princípios da
Constituição, como o que considera qualquer pessoa inocente até que seja
condenada de forma definitiva.
OS PRINCIPAIS PONTOS DO JULGAMENTO DA FICHA LIMPA |
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Presunção de inocência |
O principal questionamento sobre a ficha limpa era o de que a lei seria inconstitucional ao tornar inelegíveis políticos que ainda poderiam recorrer da decisão. O STF decidiu que a lei não viola o princípio que considera qualquer pessoa inocente até que ela seja condenada de forma definitiva. Essa decisão permite a aplicação da lei a pessoas condenadas por órgão colegiado, mas que ainda podem recorrer da condenação. |
Fatos passados |
A Lei da Ficha Limpa foi contestada por alcançar fatos que ocorreram antes da sua vigência, inclusive ao determinar o aumento de três para oito anos do prazo que o político condenado ficará inelegível. A maioria do STF decidiu que a lei se aplica a renúncias, condenações e outros fatos que tenham acontecido antes de a ficha limpa entrar em vigor, em junho de 2010. |
Renúncia |
A proibição da candidatura nos casos de renúncia a cargo eletivo para escapar da cassação foi mantida pelos ministros do STF. A maioria do tribunal defendeu que a renúncia é um ato para "fugir" do julgamento e que deve ser punida com a perda do direito de se eleger. |
Prazo de inelegibilidade |
A Lei da Ficha Limpa determina que os políticos condenados por órgão colegiado fiquem inelegíveis por oito anos. Este período é contado após o cumprimento da pena imposta pela Justiça. Por exemplo, se um político é condenado a dez anos de prisão, ficará inelegível por oito anos, a contar do fim do cumprimento da pena. Na prática, ele não poderá se candidatar por oito anos. |
Rejeição de contas |
A lei torna inelegíveis políticos que tiveram contas relativas a cargos públicos rejeitadas, como, por exemplo, um prefeito que tenha tido as contas do mandato reprovadas por um tribunal de contas. |
Órgãos profissionais |
O Supremo manteve o dispositivo da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis pessoas condenadas por órgãos profissionais devido a infrações éticas, como nos casos de médicos e advogados que eventualmente tenham sido proibidos de exercer a profissão pelos conselhos de classe. |
Fonte: STF |
A decisão foi tomada com base no artigo da Constituição que autoriza a
criação de regras, considerando o passado dos políticos, para proteger
a “probidade administrativa e a moralidade”.
Proposta por iniciativa popular e aprovada por unanimidade no
Congresso, a ficha limpa gerou incertezas sobre o resultado das eleições
de 2010 e foi contestada com dezenas de ações na Justiça. Depois de um
ano da disputa eleitoral, a incerteza provocada pela lei ainda gerava
mudanças nos cargos. Em março de 2010, o próprio Supremo chegou
derrubar a validade da norma para as eleições daquele ano.
O julgamento começou em novembro de 2011 e foi interrompido por três
vezes. Nesta quinta (16), a sessão durou mais de cinco horas para a
conclusão da análise de três ações apresentadas pela Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), pelo PPS e pela Confederação Nacional das Profissões
Liberais (CNPL).
As entidades buscavam definir a aplicação da lei e a análise foi
marcada, voto a voto, por intervenções dos ministros que atacavam e
defendiam a lei.
O relator, ministro Luiz Fux, foi o primeiro de defender a tarefa da
ficha limpa de selecionar os candidatos a cargos públicos com base na
“vida pregressa”. Para ele, se a condenação for revertida, o político
voltará a poder se eleger.
“A opção do legislador foi verificar que um cidadão condenado mais de
uma vez por órgão judicial não tem aptidão para gerir a coisa pública e
não tem merecimento para transitar na vida pública”, afirmou Fux.
O direito do cidadão de poder escolher representantes entre pessoas
com ficha limpa também foi defendido pelo ministro Joaquim Barbosa.
Também votaram a favor da aplicação integral do texto da lei os
ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Marco Aurélio, Rosa Weber e
Cármen Lúcia.
“É chegada a hora de a sociedade ter o direito de escolher e o
orgulhar-se poder votar em candidatos probos sobre os quais não recaia
qualquer condenação criminal e não pairem dúvidas sobre mal versação de
recursos públicos”, disse Barbosa.
"Não vejo aqui inconstitucionalidade, mas a reafirmação de princípios
constitucionais”, disse Cármen Lúcia ao falar sobre a importância da
moralidade na vida pública.
A proibição da candidatura nos casos de renúncia de cargo eletivo para
escapar de cassação também foi mantida pelo Supremo. Para o ministro
Marco Aurélio, a Lei da Ficha Limpa possui "preceitos harmônicos com a
Constituição Federal que buscam a correção de rumos desta sofrida
pátria."
Apesar de defender a aplicação ficha limpa, Marco Aurélio fez uma
ressalva ao afirmar que a regra só deve valer a condenações ocorridas
depois da vigência da lei, iniciada em junho de 2010.
“A lei é valida e apanha atos e fatos que tenham ocorrido após junho
de 2010 não atos e fatos pretéritos. Quando eu disse vamos consertar o
Brasil foi de forma prospectiva e não retroativa sob pena de não termos
mais segurança jurídica”, afirmou Mello.
Primeiro a votar contra a aplicação integral da Lei da Ficha Limpa, o
ministro Dias Toffoli criticou a elaboração das regras. A tese de
Toffoli foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e
Cezar Peluso.
“A lei complementar número 135
é reveladora de profunda ausência de compromisso com a boa técnica
legislativa. É uma das leis recentemente editadas de pior redação
legislativa dos últimos tempos. Leis mal redigidas às vezes corrompem o
propósito dos legisladores e o próprio direito”, afirmou.
A ficha limpa foi criticada pelos ministros do STF por valer para
fatos anteriores à sua vigência e por tornar inelegível uma pessoa
condenada que ainda pode recorrer da decisão. Para os quatro ministros
que votaram contra a aplicação da lei, a ficha limpa deveria valer
apenas para quem for condenado depois que a norma começou a vigorar, ou
seja, depois de junho de 2010.
“A população bate palmas, por exemplo, para esquadrões da morte, mas
isso é contra qualquer padrão civilizatório e uma corte como esta tem de
cobrar não pode permitir que se avance sobre esses valores”, disse
Mendes.
“O Congresso não tem o poder de escolher fatos consumados no passado
para, a partir dessa identificação, elegê-los como critérios para
restrição de direitos fundamentais”, afirmou o ministro Celso de Mello.
Ministros do Supremop durante julgamento que validou Lei da Ficha Limpa nesta quinta-feira no STF (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF) |
O último a votar, o
presidente do STF, ministro Cezar Peluso, classificou a Lei da Ficha
Limpa como um instrumento de “retroatividade malígna que contraria a
vocação normativa do Direito”.
Para ele, a lei não pode valer para casos anteriores à sua vigência e
não pode tonar inelegível pessoas que ainda podem recorrer da
condenação.
Peluso afirmou que, dessa forma, a lei parece ter sido feita para pessoas específicas e não para a coletividade.
“A lei foi feita para reger comportamento futuros. Então, deixa de
ser lei e, a meu ver, passa ser um confisco de cidadania. O estado
retira do cidadão uma parte da sua esfera jurídica de cidadania,
abstraindo a sua vontade. Não interessa o que você pode ou não evitar”,
disse Peluso.
Fonte: G1
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